sem pecado e sem juízo

MARIANE VILAS-BOAS MELO
3 min readDec 26, 2019

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No mundo: segunda guerra mundial. No Brasil: Carnaval. Foto do Hall Preston, pra LIFE. (fotografo oficial do Orson Welles quando estava no Brasil, em 1942).

Na madrugada do solstício de verão os corpos suados de sexo adormeceram juntos, grudados, de braços formigando e cabelos no rosto. O hemisfério sul vibrou.
VIVA O AMOR LIVRE” o muro gritou do outro lado da rua. Que idiotice. O amor é tudo, menos livre. Se tem alguma coisa que o amor não é, essa coisa é livre. O amor é ridículo, faz a gente cantar aquela música cafona da Angela Roro no banho. Faz também sua boca tremer pro lado quando você fala a verdade. Faz a gente duvidar e acreditar em tudo. Mas não vamos ter certeza de nada por agora. A única certeza que temos é que o sol incidiu de forma perpendicular ao trópico de capricórnio, dando início ao verão nesse lado do planeta terra naquela madrugada, e que o amor é cafona. Às vezes acho que só sei escrever sobre o amor. Que merda.

Ainda não li o livro, não vi o filme e não ouvi o disco que você me emprestou. Eu quero ler primeiro o “posso pedir perdão, só não posso deixar de pecar”, da Fernanda Young. Não é incrível o nome desse livro? Ela era foda, genial. Não chorei no dia que ela morreu, mas queria. Faz tempo que não choro de tristeza. Só tenho chorado de raiva. A morte dela mexeu comigo, mulheres que escrevem mexem comigo. Aposto que se fossemos próximas eu acharia ela uma puta escrota e arrogante, mas pessoas geniais costumam ser assim.

Comecei a escrever porque precisava falar de amor (mais uma vez). Na verdade eu preciso mesmo é comprar amaciante pra lavar roupa, odeio começar o ano com roupa suja no cesto. Dezembro sempre passa rápido demais, as coisas param de funcionar, todo dia faz calor e a gente decora tudo com neve de mentira. Que loucura. Odeio essa época de festas. Não confio em quem ama natal e ano novo. Puta momento chato que não passa logo. Preciso comprar esse livro da escrota arrogante genial, preciso te mandar uma mensagem pra dizer que pensei em você quando passei naquela rua do primeiro bar, pra falar que bateu aquela saudade. Mas não fiz nada, enquanto arrumava meu quarto fiquei presa numas fotos analógicas que tirei em 2013: eu bêbada pra caralho rodeada de pessoas que não converso mais, escutado músicas que não escuto mais, usando um corte de cabelo que eu jamais usaria novamente e com um vestido que não entra mais na minha bunda. Hoje essas pessoas sumiram da minha vida e todas carregam o mal da geração desconstruidona: acham que da pra resolver todos os problemas com relacionamento aberto, maconha e óleo de coco. Não me considero evoluída nem muito diferente deles. Mas também não sou idiota.

Meu Deus, como eu cheguei até aqui? Perdi o fio da meada mesmo. Mas não importa, o que importa é que na madrugada do solstício eu senti o verão chegando e meu corpo tremeu. Os amantes se amaram, os capricornianos brilharam e todo mundo pecou no hemisfério sul.

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MARIANE VILAS-BOAS MELO
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Written by MARIANE VILAS-BOAS MELO

“see enough and write it down” — joan didion

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