POSTINHO
Daniel dormia numa maca improvisada na sala de medicação. Eu não conheço esse homem, mas agora sei seu nome porque a enfermeira idosa e com pouca paciência gritava sem parar para que ele acordasse. Era uma quinta-feira fria para janeiro na unidade de pronto atendimento da Barra Funda e eu estava recebendo medicação na veia. O saco plástico de remédio pendurado acima da minha cabeça não parecia diminuir de tamanho e um gosto de morte surgia na minha boca. Daniel finalmente acordou e eu percebi que ele não tinha sapatos e estava muito sujo. Outras três pessoas estavam do outro lado sala: Uma mulher que gemia de dor enquanto tomava a medicação do saco — assim como eu — e usava um casaco de pele preto, que a deixava com uma aparência de poodle velho; seu acompanhante que comia um panetone com as mãos, direto da caixa, empesteando o ambiente com aquele cheiro de natal, e um homem sem perna, que aparentemente estava como Daniel, em um leito improvisado. Daniel olha pra mim e pergunta se eu tenho horas. Eu digo que são vinte para às nove e ele não agradece e sai da sala. A enfermeira idosa volta, olha para o homem sem perna que continua dormindo e checa o saco de remédio de todos os enfermos ali presentes. Resmunga alguma coisa e sai da sala novamente. O homem sem perna acorda e diz pra todo mundo que estava sonhando: “Sonhei com a minha mãe, ela dizia pra eu voltar pra casa. Acordei com alguém chamando o Daniel.. Até tentei dormir de novo, mas não consegui”.