meu nome é nuvem, pó, poeira, movimento.

MARIANE VILAS-BOAS MELO
2 min readMar 13, 2021

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Saí da barriga quentinha da minha mãe e cai numa vala suja. Me limparam e eu fiquei em silêncio. Não chorei por 3 anos. Até que o inevitável aconteceu e tivemos que deixar aquele lugar. Caminhamos durante noites quentes e acho que não pedi colo nenhuma vez. Assim seguimos. Foram anos caminhando até que um dia minha mãe cansou de andar e disse que ficaria por ali mesmo. Chorei pela segunda vez na vida. Ela tirou um dente de ouro da boca e colocou no meu bolso. Disse pra usar somente se houvesse alguma emergência. Descobri que isso é relativo. Depois de peregrinar por mais noites quentes, acabei num posto de gasolina de beira de estrada. Lembro que já era quase abril. Tinha um moleque da minha idade tomando uma coca-cola como se fosse a melhor coisa do mundo. Isso era uma emergência. Troquei o dente de ouro da minha mãe por duas latas de coca e arrotei durante duas horas. Quando eu cansava de andar, deitava num lugar coberto e dormia. Não existiam regras e eu sentia muita falta de minha mãe. Sentia falta de me sentir casada com ela. Fiz todo caminho de volta e decidi que ficaria com ela até o fim. Seja lá o que isso quer dizer: Nunca troque seus dentes de ouro por coca-cola.

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MARIANE VILAS-BOAS MELO
MARIANE VILAS-BOAS MELO

Written by MARIANE VILAS-BOAS MELO

“see enough and write it down” — joan didion

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