mercúrio retrógrado é a puta que te pariu

MARIANE VILAS-BOAS
2 min readOct 20, 2021

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Sophia Loren (ou a mulher mais bonita do mundo) em 1955, com 20 anos de idade no festival de cinema de Veneza.

Quero acreditar que as coisas estão do jeito que estão por conta dos astros.
Eu preciso acreditar em alguma coisa.
Não é possível eu ser tão cética e sem fé assim.

Aprendi tudo sobre signos nos últimos anos.
Eu aprendo rápido.
Deve ser meu sol em capricórnio e meu ascendente em virgem.
Eu também precisava de alguma coisa pra entender pelo menos um pouco as pessoas, já que toda vez que leio sobre psicanálise minha cabeça dói.

Mas foda-se sua lua em escorpião, foda-se teu ego do tamanho desse planeta. É tudo culpa dos nossos pais.

Alguém falta no trabalho.
Causa: Luto.
Mando uma mensagem dizendo que sinto muito.
Mas não sinto nada.
Apenas cumpro os protocolos.
Digito um e-mail que reviso 40 vezes antes de apertar o ENVIAR.
Morro de medo de esquecer uma virgula ou conjugar um verbo de maneira incorreta.
Misturo Inglês e Português e morro outra vez, agora de vergonha.
Vamos fazer aquele Update amanhã às 14h?
Aperto o ENVIAR e me pergunto
que merda é essa.

O pai da moça que trabalha comigo morreu.
Já tem dois dias.
Seu corpo já está roxo e muito frio.
Gelado.
Dentro de uma caixa de madeira debaixo da terra.
Morto.
Perdendo pelos.
Roxo não, quase azul.

O meu corpo segue vivo.
Pelos crescem demais.
Eu raspo no banho.
Machuco minha pele.
Não consigo achar bonito pelos demais na virilha.
Feminista de merda que eu sou.
Crescem malditos pelos até na porra do meu mamilo.
Que inferno.
Mas isso significa que eu estou viva. Muito viva. I’m alive and viva muito viva. E isso cansa.

Mais um dia.
Tenho que ser bonita, inteligente, intelectual, gostosa, boa de cama, tranquila, sem neuras, nem ciúmes, super de boassa, sem grilos, nem muito desleixada e nem muito vaidosa.
Inteligente, mas nem tanto, pra não te amedrontar. Inteligente, mas não mais do que você.
Independente, mas não muito, pra você me proteger.

Mas tem dias que eu não quero ser nada.
Absolutamente nada.
Não quero ser.
Nem inteligente, nem estupida.
Nem gostosa, nem feia.
Quero pular isso.
Quero deixar de ser.
Se mais alguém me disser que isso é culpa do mercúrio retrogrado, capaz de eu acreditar.

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