MARIANE VILAS-BOAS MELO
3 min readMar 18, 2020

// e se eu morrer agora ou uma história de amor //

Engoli a saliva que cortou minha garganta. Parecia que eu engolia pequenos cacos de vidro triturados. Tive vontade de ligar para pra dizer te amo. Mas não liguei. Eu estava presa num trânsito caótico, era um horário péssimo pra ligar pra alguém. Mesmo assim busquei o celular perdido no bolso da minha jaqueta. Achei o contato na agenda, mas bloqueei a tela. Não fiz bêbada e não vou fazer sóbria. Deus me livre me demonstrar tão fraca assim a ponto de amar alguém de novo. Resolvi esperar um pouco pra ver se era amor mesmo ou só um delírio hormonal. Mulher tem disso às vezes. Engoli mais saliva, procurei uma bala no bolso, achei chiclete de canela. Masquei. Perdeu o gosto em dois minutos, chiclete velho. Abri a janela do carro, cuspi o chiclete na rua. O motorista do uber me olhou, aposto que pensou: “nojenta”.

Queria beber alguma coisa, meu corpo pedia água, mas não tinha. O carro não andava, tinha alguma manifestação acontecendo no centro naquele momento. Ruas fechadas e mais policiamento do que manifestante. Cavalos lindos e bem cuidados da polícia passavam por mim fazendo barulhos que amo: suas patas com ferraduras batendo no asfalto me levaram pra outro lugar longe dali. Voltei pro planeta terra e num pico de ansiedade resolvi sair.

“Moço, pode finalizar a corrida, vou ficar por aqui”

O motorista do uber fez que sim com a cabeça e me desejou boa sorte.

Antes de descer na Av. Rio Branco, na altura da rua Alameda Glete, conectei meu fone no celular, abri o Spotify e coloquei o Let It Bleed dos Stones porque eu sou dramática. Dramática e clichê.

Estava num dos lugares mais feios do centro de São Paulo. Não vai pensando que falei isso por conta das pessoas em situação de rua que vivem na Princesa Isabel. Estou falando das lojas de peças automotivas feias, das igrejas evangélicas feias, dos salões de beleza feios. A poluição visual me incomoda. Penso em ligar de novo. Mas sigo. Caminho um pouco, atravesso a Duque de Caxias, a Vitória e entro na Rua Aurora. Escura, cheia, com cheiro de churrasco e um pouco perigosa naquele horário. Algum boteco toca tecnobrega em caixas de som estrondosas que invadem meu momento com o Mick Jagger, que por sua vez, já canta Love In Vain pra mim. Me derreto com essa, sofro, adoro um drama bem feito.
Os homens sentados na porta do boteco interrompem a conversa que acontecia aos gritos e me encaram quando passo por eles. Sigo a caminhada. Penso que deveria ter andado mais duas quadras e entrado na Ipiranga direto, é mais movimentada e familiar pra mim. Mas eu não sou uma bundona e sigo com confiança, como se morasse logo na esquina.

Caio na São João e resolvo finalmente comprar algo pra beber no primeiro mercadinho aberto que encontro. Vou até a geladeira e apalpo todas as cervejas até achar a mais gelada.

“É débito”

“Sacola?”

“Não” — respondo enquanto abro a lata.

Sigo na São João até o Arouche, minha cerveja acaba quando eu piso no mercado das flores que tá pra fechar.

“É rapidinho” — falei fingindo simpatia.

O vendedor me fuzila com os olhos mas depois dá os ombros. Escolho dois antúrios brancos e folhagens. Enquanto o vendedor coloca meu cartão na maquininha eu tiro o celular do bolso e faço uma foto, bloqueio a tela e guardo de novo.

“Nem precisa embrulhar”

E ele dá os ombros outra vez.

Caminho mais um pouco até a praça da República desejando outra cerveja, segurando as flores e pensando que se algum carro me atropelar enquanto eu atravesso a rua, ou se alguém resolver se jogar do décimo segundo andar enquanto eu ando na calçada e cair em cima de mim, eu morro com flores nas mãos, com uma paixão hormonal na cabeça e com You Got The Silver nos fones de ouvido. Esse pensamento me deu dor de barriga, fiquei nervosa. Da próxima vez que bater a vontade, eu ligo pra dizer te amo. Foda-se.

MARIANE VILAS-BOAS MELO
MARIANE VILAS-BOAS MELO

Written by MARIANE VILAS-BOAS MELO

“see enough and write it down” — joan didion

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