devaneios e mini mistérios.
Combinamos às 10h. Cheguei 9h40. Roí minhas unhas, olhei meu reflexo na tela do celular que servia de espelho, três vezes. Ele estava atrasado, 10h14 marcava o relógio da rua, o café hipster estava lotado de casais bonitos e grupos de amigos que falavam alto demais. Cachorros de raça aos pés das mesas de madeira bebiam água de um pote de plástico. Calor, 28 graus, mas dentro da minha calça jeans e camiseta pareciam 40. Insuportável, eu derretia e minha maquiagem também. Será que exagerei? Essa sensação me persegue. 10h21 e eu já acho que ele não vem, checo o celular, nenhuma mensagem. Mil coisas passam pela minha cabeça. Quantas horas cabem dentro de dois minutos? Pensei muito, lembrei das crianças que brincavam despreocupadas na rua do meu prédio quando saí de casa, costuma ser uma rua cheia de carros, não é rua pra criança brincar, mas elas não estavam nem ai. Lembrei do meu irmão, pensei, forcei o pensamento, quis que por telepatia ele pensasse de vez em quanto em mim também. Espero ter funcionado. Minha mão coçava, dizem que isso é um bom presságio. Lembrei do pássaro meio morto com a asa quebrada que entrou na minha casa e sumiu, isso é mau presságio. Eu estava perdida nos meus pensamentos quando ele chegou. Não me cumprimentou, pediu desculpas logo de cara, dava pra ver que suava no rosto. Tudo bem, eu respondi, tudo bem porra nenhuma. Quase tive um negócio no coração, doeu, tive medo, mas não falei. Sentamos numa das mesas de madeira, pedimos cafés e um bolo, o silêncio que não era desconfortável ocupava o espaço como uma fumaça de gelo seco. E sem necessidade de ser preenchido com conversas idiotas, não incomodava. O café daqui é bom, ele disse com o olhar perdido. Claro que é, é uma fortuna, tinha que ser no mínimo bom, eu respondi. Rimos, pela primeira vez.
Por que você quis vir aqui? Ele perguntou.
É bonito, não é? Respondi cortando um pedaço do bolo com o garfo.
Não.
Pensei em perguntar o porquê do atraso, puxar um assunto, mas desisti, não importava, queria falar de outras coisas, queria saber o que ele jantou ontem ou qual era o disco favorito dele naquela semana. Ou um segredo, uma coisa da infância que ele nunca compartilhou com ninguém. Uma memoria embaraçosa, bem escondida, tipo aquela cena de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças quando o Joel tenta esconder a Clementine pra que ela não seja apagada. Me perguntei se eu apagaria alguém da minha memória, quando percebi, tinha falado isso em voz alta. Ele já estava falando sobre outra coisa, talvez o motivo do atraso e eu não reparei, estava viajando, pedi desculpas. Avoada.
Elogiei seu corte de cabelo, não havia corte, está bonito assim, te acho lindo.
O café esfriou e eu segui com o medo de falar demais e estragar o momento que até agora parecia perfeito, nós dois bonitos naquele lugar feio tentando forçar o clímax.