DAVID BOWIE MORREU NUMA NOITE ESQUISITA EM MONTEVIDÉU.

MARIANE VILAS-BOAS MELO
2 min readSep 7, 2020

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CENA DO SEGUNDO EPISÓDIO DA PRIMEIRA E ÚNICA TEMPORADA DA SÉRIE MAIS LEGAL DE 2020 E QUE JÁ FOI CANCELADA PORQUE ESSE ANO TÁ UMA MERDA: HIGH FIDELITY.

I know when to go out
And when to stay in
Get things done

Escute, isso é uma breve história e ela começa em 10 de Janeiro de 2016. Eu estava há poucos dias de completar mais um ano de vida nesse planeta Terra. Fazia um calor infernal em Montevidéu e o Rio da Prata trazia um vento quase polar quando o dia virava noite. Clima perfeito.

O Uruguai tinha acabado de legalizar. O tal do “turismo canábico” estava acontecendo e era demais. Eu era recepcionista num hostel zero estrelas perto do porto. Assim como toda zona portuária, o lugar era tenso. A parte divertida era que tinha gente do mundo todo dividindo um sobrado de 4 andares, com música alta o dia todo, churrasco e cerveja todo dia, muito vinho durante a noite e MUITA maconha em qualquer momento. Montevidéu era a nossa Amsterdã, só que com pouca estrutura, muito calor e reggaeton tocando em caixas de som JBL falsificadas.

Dava pra tirar uns bons pesos uruguaios por semana na recepção, e às vezes, até uns trocos em dólar e euro. Com essa grana eu comprava os famosos vinhos baratos em embalagens tetra pak, filme pra máquina fotográfica e jantava milanesas nas lanchonetes do centro da cidade. Eu sei que você conseguiu visualizar essa cena, e sim, daria um filme.

Já era madrugada do dia 11 quando a noticia chegou pra mim. Heroes começou a tocar numa das caixas de som espalhadas pelo sobrado, uma mulher chorava compulsivamente e alguém gritava em inglês que tínhamos que brindar. David Bowie tinha partido. Na hora não acreditei, fiquei em silêncio, tomando o vinho barato numa caixa de leite , travada no pátio do hostel enquanto um Greatest Hits ecoava até o último andar.

Os primeiros acordes de Ziggy Stardust pareciam dois socos no meu estomago. Fiquei mal como se fosse um parente ou uma pessoa próxima. Eu nunca soube lidar muito bem com a morte, aconteceram poucas ao meu redor. Depois de ter ficado imóvel por alguns minutos eu chorei. Acho que a gente tinha uma conexão. Bowie não era desse planeta e naquela noite eu queria que ele tivesse me levado junto.

No dia seguinte fiz minhas malas e pedi demissão. Voltei pro Brasil e virei adulta de verdade. Sinto falta das milanesas e dos gringos malucos que moravam no hostel. Um dia eu volto pra lá, um dia eu vou pra outro planeta também.

Eu tomando vinho de caixinha numa rua de Montevideo, 2016. Era meu aniversário e ele tinha acabado de morrer.

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MARIANE VILAS-BOAS MELO
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Written by MARIANE VILAS-BOAS MELO

“see enough and write it down” — joan didion

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